Pôr-do-Sol e o Alvorecer. *Eric Vinícius.
Recentemente estive refletindo sobre a situação Patrimonial e Espiritual do Brasil. A situação dos nossos Centros históricos não é nada mais, nada menos que nosso reflexo enquanto “sociedade civilizada”. Me acomete muito ver a agonia dos nossos Centros.
Os lugares onde, afinal, deveriam mostrar as nossas grandezas, na realidade, expõem as nossas misérias. Situação retratada no maravilhoso filme Retratos Fantasmas (2023) de Kleber Mendonça Filho, que nos faz perceber que essas regiões são dialéticas entre si no Brasil inteiro.
Façamos o seguinte, seja onde for, observemos bem essa região. Durante o dia, é sempre muito movimentado, somos capazes de ver todos os tipos humanos existentes. Caminhando de um lado para outro, apressados em suas rotinas diárias. Me pego a imaginar sobre cada uma daquelas vidas, daqueles homens e mulheres de rostos distintos e biografias próprias.
Quem são eles? O que fazem? Alguns já de meia idade estão indo ao trabalho para conseguir o seu pão de cada dia, outros, grupos de aposentados jogando suas damas ou dominós na praça, avós acompanhando seus netos correndo. As enormes filas do banco. Senhoras tricotando. Mães com seus filhos de colo sob a sombra de um pé de ipê, e outras cenas que quem enxerga a beleza na simplicidade é capaz de ver.
Mas não só beleza vê um olhar sensível, há também as nossas amargas e “invisíveis” misérias. Drogados, pedintes, mendigos. À medida que o dia vai se esvaindo, o pôr-do-sol vai chegando e, com o cair da noite, estes vão tomando seus lugares nesses Centros, que de dia os rejeita e à noite os acolhe.
E muitos são vistos, seja dia ou seja noite, dormindo aos pés dos monumentos que deveriam mostrar os grandes feitos, das estátuas dos nossos grandes personagens, aos pés das nossas igrejas sob a observação dos santos e da cruz de Cristo, como suplicando pelo cobertor da proteção divina.
Ao viajar para Fortaleza, fiquei muito honrado de visitar a Praça, o Teatro e a Estátua do grande Mestre José de Alencar. A Grande Catedral, a Estátua do nosso Magnânimo Dom Pedro II e da nossa Rachel de Queiroz. Ao mesmo tempo, me vinha dicotomia de sentimentos, um misto de alegria e tristeza. Me entristeceu o estado de miséria.
Ao lado dos maiores símbolos de grandeza da Letras Cearenses, hoje dormem mendigos, viciados, sem-teto. Pela primeira vez vi um Martinho comendo lixo. Reparti um pouco do pão que eu tinha com Madalena. Me encantei com Iracema. Em Parnaíba, sob o nosso monumento da independência, da Estátua de Simplício Dias, nas Escadas da Catedral, ou na porta do banco, vemos as mesmas vidas, em Centros diferentes. Em um exercício de imaginação, fico imaginando como reagiriam as nossas grandes figuras, algumas figuradas entre as mais altas, ao ver aos pés de suas homenagens tanta tristeza.
Andar, observar e conhecer os nossos Centros é, acima de tudo, um ato de educação da sensibilidade, é olhar para nós mesmos. É como diz Gustavo Corção: De um modo peculiar, racional e afetivo, ver no chão de uma terra o sinal de pés antigos.
É um modo especial de adivinhar numa paisagem os sinais, os comoventes sinais de antigas mãos. É um modo sem igual de simpatizar com dores passadas e de se alegrar com passadas alegrias. E ter uma história comum, que vem de longe, cantada na mesma língua e vivida no mesmo grande e permanente cenário. É um sentimento, raro hoje, de respeito pelos antepassados. É, acima de tudo, desejar um lugar melhor para todas as pessoas. E, apesar da tristeza do anoitecer, ainda vejo raios de esperanças.
A tristeza pode durar uma noite, mas a alegria vem ao alvorecer. Creio nisso, afinal, vejo, ao andar nesse mesmo centro, um flanelinha, como num ato simbólico, lendo Machado de Assis, aos pés da Igreja do Rosário.
*Eric Vinícius é professor da rede particular de ensino em Parnaíba.