Abaixo de uma pequena barraca de madeira no Centro, vejo uma velha com as mãos já bastante enrugadas sob o efeito do tempo. Descascando seus alhos, picando suas ervas e partindo cebolas para preparar suas receitas.
Para muitos, ela considerada santa. Que mãos maravilhosas. Seus temperos, dizem, são capazes de tornar qualquer comida mais gostosa, e seus remédios milagrosos são vendidos para mães que não conseguem pagar pelos fármacos tradicionais, ou para aqueles que já estão em estágio mais avançado de doença e não têm a quem recorrer, senão aos remédios do mato.
Alguns falam sobre seus milagres, como Dona Chica, que teve o filho curado do câncer, ou Seu Antônio, que teve o seu reumatismo amenizado. Todos os dias, ela está ali. Há pelo menos 60 anos naquele mesmo local, naquela mesma barraca. Ao cortar as cebolas, ela já não chora mais; a vida já a cobriu e lhe deu suas próprias camadas, que a fazem tão forte. No fundo, por trás daquele olhar, daquelas mãos e daquela idade, há uma vida contrastante de sofrimento e felicidade. Há um passado difícil, sete filhos e um marido.
Um marido que bebe além da conta e que fuma seus cigarros, mas um bom marido, que lhe dá todo o Amor do mundo. No domingo, na capelinha de Nossa Senhora do Carmo, a cortadora agradece por tudo a Santa Rita de Cássia, sua santa de devoção desde menina.
Agradece por seus sete filhos, agradecendo por sair do seu útero uma manicure, uma costureira, um cabeleireiro, um marceneiro, um açougueiro, um cozinheiro e sua filha mais nova, uma médica cirurgiã recém-formada.
Cada um de seus filhos leva nas mãos e na pele o legado da velha cortadora, que em breve irá para junto de Deus; será cortada pelo destino. A velha reza cada vez mais, juntando as mãos, agradecendo pelo dom de fazer cortes tão bons. Fez do corte sua vida, e seus filhos foram a melhor criação. Na vida, há quem diga que só se pode cortar o limiar da vida e da morte aqueles que rezam com fé, com amor e dedicação a Deus.
E ali está ela, rezando, suplicando de joelhos, agradecendo pela sua vida. Uma vida comum. E há algo mais bonito do que uma mulher comum, seu marido comum e seus filhos comuns?
*Eric Vinícius é cronista e professor da rede privada em Parnaíba.