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A revolta do touro.

O escritor George Orwell, na primeira metade do século XX escreveu uma fábula denominada a Revolução dos Bichos, um dos livros mais lidos do mundo, com mais de 60 reimpressões. Tendo como cenário de inspiração a Inglaterra. Lá o protagonista, líder da revolta, era um porco varão reprodutor acompanhado por vários animais de uma pequena fazenda, na luta pela vida, buscando melhores condições para todos e contra a exploração humana. “Quatro pernas bom, duas pernas ruim”, esse era o slogan.

Ontem dia 27 de outubro, com duas balas de fuzil automático na cabeça um jovem e belo touro, em plena vitalidade, tomba por terra e morre no antigo Macacal depois de ter corrido pelos bairros Ceará, Esperança e Campos. Em meio a postos de combustíveis e modernos prédios comerciais e residências. A uma distância de poucos metros de várias toneladas de milho do armazém da CONAB. Tudo registrado pelas câmeras dos modernos smartphones de populares que se aglomeravam.

Ali estavam reunidas várias corporações militares, inclusive a Força Tática, além do Corpo de Bombeiros e ambulâncias do SAMU. Fato este que dividiu a opinião pública e causou revolta aos ecologistas e defensores dos animais. Muitas informações e questionamentos nos portais e nas redes sociais. E como sempre nada conclusivo. Fato que logo será esquecido, como quase tudo atualmente.

O touro Amazonas diferentemente do barrão Major, não comandou um pequeno exército de bichos e nem tinha qualquer ideologia política. Revoltado apenas com a falta da ração balanceada: feita a base de milho, acrescido de farelo de trigo, soja e núcleo que era distribuída na pequena cocheira, onde ele vivia com mais umas quatro vacas, uma dúzia de porcos e umas 40 galinhas caipiras.

Após colocar os ouvidos na janela do quarto onde se preparava para dormir, o proprietário daquele pequeno sítio, pegou uma parte da conversa da mulher reclamando que os animais estavam sem comer milho há várias semanas, que o capim estava muito seco e que os coitados passavam o tempo todos berrando ou tentando fugir pelas cercas, que por sinal também estavam bem ruins, após as chuvas do último período.

 “Não tenho o certificado da vacina da aftosa, não consegui renovar o cadastro na Emater, não consigo comprar o milho, muié. Tá quase 70 contos o saco de milho por aí no mercado e é só de 50 kg, na CONAB o preço é menos de 60 e o saco é de 60 kg”, argumentou o coitado do Arribamar.

O Amazonas não estava muito preocupado com essas coisas. Gostava mesmo era de pular a cerca para “pegar” as novilhas da grande fazenda vizinha, até porque também fazia uma “boquinha” na farta ração vitaminada que tinha lá. Gozava desse privilégio que lhe garantia suas 15  arrobas de peso. Era um tipo alto, bonitão com afiados e forte chifres, seu enorme cupim lhe dava uma postura majestosa, reforçada pela sua pele de cor marrom, estampada com manchas mais escuras e outras pretas.

Ouvindo as reclamações da Branquinha, a vaca mais antiga daquela fazenda dizendo que já não tinha mais saúde para aguentar aquele sofrimento, olhou para os seus filhos, três bezerros magrinhos que as costelas pareciam se emendarem. Pensou nos seus vizinhos: os porcos eram verdadeiras carcaças ambulantes e as galinhas, há muito tempo não botavam ovos, e tinham as pernas finas e as “titelas secas”.  No velho galo gigante negro do terreiro que um belo dia resolveu arriscar-se e pulou para um matagal que existe no fundo da propriedade e foi comido por um gato do mato, numa triste tarde. “Tenho que agir”, pensou Amazonas.

Decidido, resolveu atravessar a cidade, mesmo sozinho, e ir até ao armazém da CONAB queria falar com o gerente ou mesmo com o encarregado do setor, um tal Osmar. Que ele lhe desse uma explicação. Queria saber que estória de que o cadastro do seu Arribamar Dias estava atrasado pela falta do certificado das vacinas da aftosa. Pelo menos foi que havia escutado com o seu amigo, o jumento Tião Velho da boca da Dona Expedita. “Ora bolas, precisa de papel não, vou lá à CONAB mostrar pra eles a coleção de calombos (cistos) do meu pescoço, deixados todos os anos pela desgraça dessa vacina. E, isso é prova material”.

No seu trajeto que seria mais ou menos uma légua, teve que enfrentar todo tipo de situação vexatória. A primeira, logo muito cedinho, uma meia dúzia de cachorros magrelos latindo sem parar. Deu pouca importância, não iria perder seu tempo. “Dizem que cachorro que muito ladra, não morde”, pensou!

Chegando ao balão da Delta uma enorme carreta do tipo bitrem. Que susto! Ainda passou de raspão, só o vento quase lhe derruba. O motorista quase perde o controle do veículo e quebra o meio-fio. Para os xingamentos do motorista, nem deu ouvidos. Tinha que seguir na sua missão. Dali partiu para uma breve corrida mantendo o controle da respiração, para não se cansar, tinha a linha do trilho na qual poderia seguir até mais na estação de onde seguiria, passando ao lado da Praça Mandu Ladino, pelo abrigo dos velhos e depois subiria um pouco mais ai estaria na CONAB.

Seria mais longo o trajeto, mas evitaria o trânsito, os afoitos e os assombrados. Mudou de ideia, haja vista, as muitas casas que agora existem ali obstruindo o antigo caminho do trem. Pegou uma travessa e subiu pela Rua Ceará depois passou por trás da Condiesel, cruzou a Rua Caramuru rapinho uma rua próxima ao mercado e depois seguiu por uma paralela até o seu destino, no bairro de Fátima, o antigo Macacal, região que não conhecia bem, mas já havia escutado muitas histórias do seu avô, o Mimoso, da fazenda do Djalma Borges localizada ali próximo ao Laborão.

O intrépido touro estava pouco ligando para o fato das pessoas fugirem. Somente umas mais afoitas arriscavam jogar coisas, geralmente pequenas pedras e paus, outras saíam em disparada e se abrigavam nas residências e comércios. Na sua caminhada resolveu trombar algumas motocicletas dos moto-taxistas e correr atrás dos ciclistas que insistiam em atrapalhar a sua caminhada. Aos poucos ia avançando. Em alguns momentos teve que partir em corrida louca para se sair dos mais afoitos. Não tinha tempo a perder. O sol ia subindo, já se aproximava das 11 horas. Ele sabia que o armazém fechava para o almoço, ao meio-dia.

Ao chegar foi logo barrado pelo vigilante que se assustou ao ficar frente a frente com aquele ofegante boi querendo adentrar ao escritório. O Amazonas não estava ali para brigar com ninguém, queria só uma solução para o seu problema e dos seus pares. Os homens sem entenderem a sua linguagem animal e apoiados pelas forças da segurança pública partiram para enfrentá-lo. Assustado, porém determinado a concluir a sua árdua missão, resistiu.  O pobre touro acabou ficando encantoado em um terreno baldio, cercado de arame farpado, onde virou um alvo fácil, para o atirador de elite.

Por: José Luiz de Carvalho

(Contista e poeta – Membro da Academia Parnaibana de Letras)

OBS: Obra de ficção literária baseada num fato real.

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