Autor: Antonio Gallas
Em Tutóia, pequena cidade do interland maranhense localizada entre os “Lençóis Maranhenses” e o “Delta do Parnaíba”, nas noites de estio, banhadas pela claridade da luz prateada e mágica da lua cheia, após as 22 horas, quando as luzes da cidade se apagavam, era comum ouvir-se a voz suave e melodiosa do seresteiro, do boêmio que, acompanhado por seu “companheiro dileto” um violão Del Vechio, percorria as ruas arenosas – sem calçamento ainda, da pequena cidade, a fazer serenatas. Sua música era como um rio que corria suavemente, tocando a alma das pessoas, principalmente a das meninas sonhadoras que ficavam com o coração acelerado, pulsando forte ao imaginarem-se nos braços do seresteiro, recebendo carinho, afeto e até quem sabe, desfrutando de prazeres sexuais. Era um som que fazia lembrar das coisas simples da vida: do amor, da amizade e da beleza da natureza.
As canções preferidas desse boêmio eram as serestas que foram gravadas por grandes cantores da época como Nelson Gonçalves, Miltinho, Orlando Silva, José Augusto, Roberto Muller, como também as dos mais jovens, como Roberto e Erasmo Carlos, Benito di Paula e outros. Gostava de cantar “A Flor do meu Bairro”, “Normalista”, “Boêmio Demodè”, “Detalhes”, “Sentado à Beira do Caminho”.
Tinha um grande e excelente repertório!
Além da belíssima voz, ao dedilhar o violão com maestria, produzia belos acordes e com o som suave do violão, cantava com a alma e com o coração.
Foi nesse clima de sonhos e emoções que Rosa Branca apaixonou-se pelo seresteiro. Saindo da adolescência, Rosa Branca o admirava, porque além de gostar das músicas que ele habitualmente cantava, era ele também seu professor de Educação Moral e Cívica em uma escola pública da cidade.
Rosa Branca, natural de Tutóia, era uma garota morena, magra e elegante. Durante as férias escolares participava das tertúlias quais eram feitas nas residências familiares ao som das eletrolas portáteis da marca Philips. Rosa ao dançar chamava a atenção de todos, inclusive do seresteiro que admirava aquele corpo esguio e ágil a se mover com graça e ritmo, como se fosse uma dançarina profissional.
O seresteiro, também tinha pele escura, mas não era de Tutóia. Viera a serviço, porém ganhou a amizade, o respeito e a estima do povo da cidade. Enamorou-se por Rosa Branca e esta por ele. Enamoraram-se! Resolveram se juntarem para aproveitar as delícias do amor. Como diz o ditado, no inicio tudo são flores, os espinhos surgem depois. Com o passar dos tempos um problema: o seresteiro fora proibido de sair às ruas depois do apagar das luzes às 22 horas e fazer suas serenatas. Sem poder sair a caminhar pelas ruas arenosas da cidade, ou mesmo sentar-se na Praça da Matriz como costumava fazer, o seresteiro emudeceu. Não mais se ouviu a sua voz suave e melodiosa nas noites de lua cheia…
A separação veio em seguida. É verdade que ele sentiu porque a amava. Mas, como disse o poeta maranhense Raimundo Correia, em seu poema AS POMBAS: “os sonhos, um a um, céleres voam,
como voam as pombas dos pombais;”
“mas aos pombais as pombas voltam,
e eles aos corações não voltam mais.”
Para superar o trauma da separação, sozinho, em casa, puxando os acordes em seu violão, cantava a canção “Meu Dilema” composta por Adelino Moreira, da qual destaco os seguintes versos:
“Meu violão meu amigo /Nem ela nos separou
Hoje eu amargo contigo/ a saudade que ela deixou”
“Fiquei entre a cruz e a espada /quando ela desesperada obrigou-me a escolher/ e agora o meu dilema persiste/ viver sem ela é tão triste/ sem te não posso viver”.
Todavia nem sempre a perda do que se pensa ser um grande amor, é o fim de tudo; a vida é um ciclo de amor e perda; e cada perda pode abrir espaço para um grande amor em nossas vidas. E foi o que aconteceu. Uma de suas alunas, que tinha o nome de uma princesa imperial, e que por ele já era apaixonada, disse-lhe que, com ela, a liberdade seria incondicional e que o mesmo poderia voltar às ruas, rever os amigos de sempre, fazer as serenatas, e quando regressasse ao lar, teria o aconchego, o conforto e o carinho da mulher amada.
Diante disso seresteiro não conto conversa. Acompanhado por seu violão, o seresteiro dirigiu-se a Avenida Beira Mar, sentou-se à beira do cais do porto, e com os acordes melodiosos do violão cantou “A volta do Boêmio” também composta por Adelino Moreira e imortalizada na voz de Nelson Gonçalves.
Enquanto o boêmio cantava e tocava, a lua continuava a brilhar no céu, iluminando a cidade e banhando tudo com uma luz de sonho. Era uma noite que nunca seria esquecida, uma noite que ficaria gravada na memória das pessoas como um momento de pura magia.
Nota do autor: trata-se de uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.