Portal Correio do Norte

Adeus às armas! *Eric Vinícius.

Ali, em um dos velhos casarões da Avenida Getúlio Vargas morou um velho capitão do Exército, ex-combatente de guerra, da Força Expedicionária Brasileira, a FEB, um pracinha. Foi embora daqui ainda menino na companhia do Pai, marinheiro viúvo e de quatro irmãos. Viveu por anos na velha Capital Federal, onde cresceu, estudou e se fez homem. Sempre acompanhou os eventos históricos que se passaram no decorrer sua vida. Aos quinze anos, viu a revolução de 30 se sair vitoriosa no ato simbólico onde os Gaúchos amarraram seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco. Pouco tempo depois ele foi para o exército Brasileiro.

 

Quando veio a guerra ele foi convocado para servir na Itália. Lutou na heroica batalha de Monte-Castelo. Ao regressar, na sua chegada ao Brasil, foi condecorado e considerado herói. Como militar, ainda na ativa ele foi um dos que apoiaram a deposição do Presidente Getúlio Vargas, viu a sua volta e alguns anos depois o seu suicídio. Estava presente no Maracanazzo. Foi um dos que estiveram juntos à Teixeira Lott no movimento que preservou a ordem constitucional e garantiram a posse de Juscelino Kubitscheck, sendo seu apoiador. Apesar disso, sempre manteve ressalvas quanto a construção de Brasília. — Imaginem só, uma cidade de moderna construída no meio do nada. Vai ser feita exclusivamente para os donos do poder. Brasília não representa o Brasil, o Rio de Janeiro sim. — Foi contra o golpe militar de 1964. Chorou, com euforia na vitória da seleção tricampeã de mundo com o show de Pelé. Foram mais de trinta anos de serviço, dedicação e amor à pátria, até que veio a hora de aposentar a farda.

 

Quando deu adeus às armas, já mais velho e cansado, quis sair da cidade grande. Retornou então, ao lugar onde nasceu e pouco viveu. De sua cidade natal não restava muito além de breves lembranças da infância e alguns e parentes com os quais mantinha contato, o que nunca impediu o seu imenso carinho. Foi no verão de 72 que o filho retornou à casa. Ocorreu um verdadeiro evento na cidade. Fogos de artifício, passeatas, a população tremulando bandeiras do Brasil, salvas de palmas e gritos de viva, uma verdadeira festa. Parnaíba saudava o seu filho, um pracinha, um herói!

 

Durante sua vida se casou com uma professora normalista e teve seis filhos. Dos quais todos foram todos criados com amor. Um amor severo, forjado a ferro e fogo nas trincheiras, um amor de quem tem como vivência os horrores da guerra. Ele quase sempre estava sério e com o olhar distante. Sorria em poucos momentos, como quando ia de braços dados com sua esposa a tarde no passeio público, ou quando os filhos o visitavam trazendo notícias e dando abraços no velho. Todos o tinham grande estima e respeito. Foi um grande pai. Gostava muito de contar velhas histórias da infância e da guerra. Havia uma que ele repetia sempre.

— Perdi meus melhores amigos no conflito. Quando tudo acabou foi um alívio, festejamos o dia todo, mas no fundo me restaram apenas cicatrizes e lembranças amargas. Graças a Deus eu saí vivo. O pior de tudo são as marcas da Guerra que nunca saem da gente. A Guerra está em nós, em mim e em vocês, constantemente.

Ainda viveu por muito tempo. Tempo esse, suficiente para ver o mundo mudar, um mundo no qual o velho combatente agora sentia não mais pertencer, que seus olhos centenários já não enxergavam mais. Um mundo que o esqueceu. Todos os seus, se foram. Seus amigos, sua esposa, seus irmãos, seus parentes mais próximos. No fim de tudo, restou apenas ele e os filhos. Se familiarizou com a morte, virou amigo do Luto. A guerra, de fato nunca saiu dele, agora só tinha ela para lhe lembrar da vida.

Seus filhos ainda o visitavam, todos lhe deram netos. Um foi criado por ele, era o favorito, foi educado e amado a vida toda pelo velho. Com o tempo ele se tornou um desses malcriados de ideias revolucionárias, que depois de crescido não ouvia mais seus conselhos, não aceitava suas opiniões, nem sequer queria saber dele. Sempre chegava para o grupo de amigos dizendo.

— Aquele velho decrepito e gagá é um Reacionário, Fascista! Não compreende nada, parece não saber que o mundo mudou. Quando a revolução vier, não haverá mais espaço para ele. Esses milicos são todos iguais! Certo mesmo fez Luís Carlos Prestes em abandonar a farda.

Ora, imaginem só, o mundo as vezes é assim. Os que não constroem nada, precisam desprezar, queimar, jogar fora e questionar aqueles que já fizeram. Sem se importar com suas raízes e suas memórias. Tão antigo quanto a própria história é o imbecil juvenil. O neto que viveu às suas custas, comeu do seu pão e bebeu da sua água, agora cospe na face, na biografia do avô.

O velho, não durou muito. Morreu há pouco tempo, já com mais de cem anos, em uma manhã chuvosa em sua casa. Na companhia de um padre, dos seus filhos e alguns netos. No seu velório teve pouca gente. O seu caixão foi embrulhado junto a uma bandeira do Brasil e da Força Expedicionária Brasileira. Pouco causou comoção a sua morte. Era só mais um morrendo. Ele não é mais lembrado. Está com o túmulo agora, sem nome, vandalizado, cuspido e urinado no cemitério da Igualdade. Eric Vinícius é professor da rede privada, cronista e contista em Parnaíba. 

Facebook
WhatsApp
Email
Imprimir