Portal Correio do Norte

As pedras do futuro e da sorte. * Pádua Marques.

 

 

 

 

Bateram palmas no portão. Uma, duas, três vezes. De lá de dentro Emilinha olhou pela janelinha da porta e viu pessoas encostadas no muro. Estavam as mulheres em duas. Uma mais velha, de uns quarenta ou mais anos e que de longe ainda parecia ser a mãe.

E a outra mais nova, a filha, uns vinte e poucos anos, não mais chegando aos trinta. Mas o que seria que aquelas duas mulheres queriam àquela hora do dia na porta alheia, na porta de Veridiano Borges, alto funcionário da alfândega de Parnaíba tão logo ele saiu pra mais um dia de serviço?

Emilinha Borges não gostava de gente de rua. Mas de lá de dentro de casa e deitada numa rede, sem muito o quê fazer, via tudo o que se passava na sua porta. Desde as alunas do Colégio das Irmãs, os vendedores de frutas indo e vindo do Mercado Central, os botadores de água e vendedores de carvão e lenha, ferreiros, pedreiros, embarcadiços indo pra o porto Salgado, caixeiros de lojas e armazéns, gente indo fazer compras. Na cozinha tinha duas criadas, Rosa e Remédios, trazidas da casa de sua mãe quando os dois filhos nasceram e foram dando trabalho.

As duas criadas agora, uma mocinha e a outra mais velha, eram quem faziam companhia pra ela o dia inteiro porque o marido trabalhava muito na alfândega.  A casa boa e grande de dois pisos na praça de Santo Antonio, foi presente de casamento do sogro, seu Vespasiano Borges, plantador de arroz e criador de gado no Buriti dos Lopes, homem muito rico e que andou se metendo na política, mas perdeu foi dinheiro. Quando os meninos cresceram e foram embora pra Recife estudar, a casa ficou maior ainda.

Ciganas. Só podiam ser duas ciganas! E veio aquela vontade, aquela tentação de chamar pra que elas adivinhassem o futuro. Sempre ouviu falar dessas mulheres, muitas vezes andando aos bandos, umas prenhes e outras puxando uns meninos imundos de sujo pela praça da matriz, pedindo esmolas e em troca lendo mãos ou jogando cartas.

Tomavam as lojas, as ruas mais movimentadas, iam chafurdar nas portas do Hotel Carneiro e no Hotel Parnaíba, na porta do Cine Éden, incomodando quem estivesse fazendo compras ou nas portas dos cafés e até nas redações de jornais na rua Duque de Caxias.

Abriu a porta e veio saber o que elas queriam. Roupas velhas, comida, qualquer coisa pra ela e a filha serviam. Emilinha prometeu umas peças de roupas velhas, mas queria matar uma curiosidade. Sua sorte nas cartas de baralho ou nas pedras. Olhando a casa e sua dona, a cigana mais velha retirou de uma sacola encardida seis pedras, todas brancas e passou a dizer tudo o que iria acontecer dentro de casa e em Parnaíba.

Saúde farta, sossego, casamentos grandiosos na alta sociedade, seguidos de separações, a morte de um grande comerciante, prisões por roubos e desfalques, invernos pesados com muita gente desabrigada e passando fome. Depois vinha muita fartura, mas no final do ano aconteceria um desastre muito grande, um crime, coisa de abalar a Parnaíba inteira.

A conversa e as adivinhações foram ficando interessantes e a mulher de Veridiano Borges mandou que elas chegassem mais pra dentro do terraço e até ofereceu água.

Mais revelações iam brotando enquanto a cigana velha olhava com o canto do olho pra dentro de casa e vendo que era ali que podia fazer fortuna. Disse que seu marido seria traído dentro da repartição, um candidato a prefeito morreria no naufrágio de um navio longe de Parnaíba, outro nome seria levantado e seria eleito.

Ela jogava as pedras, elas formavam figuras e a cigana ia dizendo do que se tratava pedindo a confirmação da filha e de Emilinha. Agora era a vez das riquezas. Que a riqueza estaria trocando de mãos. Muita inveja por quem tinha alguma coisa. Brigas por terras. De muita gente, assim de uma hora pra outra que iria crescer, encher a burra e se acabar num sopro. E uma estrela em pleno dia haveria de cair do céu ali perto, no Catanduvas, matando gente.

Já ia adiantado o dia e Emilinha Borges naquele confessionário com as duas ciganas dentro de seu terraço. A mais velha olhou o anel que a dona da casa trazia no dedo seu vizinho da mão esquerda. Disse que tinha um segredo muito grave sobre sua casa e sua família, que podia revelar se a senhora lhe pagasse bem. E apontou pra joia. Emilinha ficou sem jeito e sem saber o que dizer, mas acabou caindo das carnes e entregando. A cigana falou do marido, Veridiano Borges, que tinha outra mulher e até um filho. A dona da casa quase caiu de costas.

Depois de tudo passado e revelado, as duas ciganas pegaram as trouxas de roupas usadas, agradeceram pela gentileza, prometeram muita coisa boa, saúde, felicidades, riqueza e prosperidade pra os dois filhos no Recife e muita fartura dentro de casa.

Foram embora tomando o rumo da praça do Mercado Central, ali perto. Emilinha Borges entrou e ficou tentando apurar em tudo o que havia acreditado nas pedras. As criadas vieram chamar pra que resolvesse um cuidado na cozinha. A mulher de Veridiano Borges, tomando sentido do prejuízo que teve com o anel, disse que estava se ardendo de febre.

*Pádua Marques, membro da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba. Romancista, cronista e contista.  Conto extraído do livro Os Três Degraus. 

 

 

 

 

 

 

 

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