Por: José Luiz de Carvalho
Gênero literário: Conto
Numa noite de lua cheia, o vento soprava forte, balançando os carnaubais e levantando areia das alvas dunas. A biruta do aeroporto, instrumento utilizado para indicar a direção do vento, era fundamental para que o comandante Ranieri Mike pudesse pousar o seu possante Bandeirante da heroica Força Aérea Brasileira. Naquele momento, como se pudesse ler a mente de seu comandante, o aspirante Afonsinho lembrou-se do incidente aeronáutico da manhã do dia anterior, que quase fez aquela aeronave cair. Pensou: Pobre daquele pequeno gavião, antes mesmo tivesse morrido ao abalroar na aeronave. Pior mesmo era olhar nos seus pequenos olhos, seu bico abrindo e fechando, e o coraçãozinho batendo a mil. Qual seria o pensamento que passava pelo seu minúsculo cérebro? Olhava aqueles gigantes, que curiosos ficavam a lhe observar, sem praticamente nada fazerem para aliviar sua dor.
Afonsinho, criado na cidade grande, no máximo conhecia de perto pequenos pardais ou os pombos da praça central. Olhar de perto um gavião-carcará, símbolo da força e da garra do homem do Nordeste, bem que poderia ter sido em outras circunstâncias. Cria coragem e pega o infeliz do chão, levando-o para a estação de rádio do aeroporto.
* Mata, acaba de matar! – gritava o homem de roupas bem passadas e de média estatura. Outro, de maior estatura e um pouco calvo, parecia mais preocupado com a dor daquela infeliz ave.
* Se tem vida, tem esperança! Vou levar ao veterinário!
Gritou um daqueles homens, pedindo que alguém lhe ajudasse a transportar o gavião para o socorro médico.
Muitos que ali estavam começaram a rir. Como poderia alguém ficar preocupado em salvar aquele pássaro? Afinal de contas, era somente uma ave de rapina. Um deles disse:
* Salvar um gavião? Ora bolas! Vocês sabem o que um gavião é capaz de fazer com pequenos animais. Que o digam os ratos e os preás!
Mesmo assim, Venâncio nem ligava. Chamou um amigo e saíram em seu carro para a cidade, que ficava a cerca de sete quilômetros de distância. José Francisco segurava o pássaro, envolvido em uma toalha úmida, enquanto Venâncio dirigia seu veículo em alta velocidade. Enquanto dirigia, era possível observar as lágrimas que lentamente desciam de seus olhos até a ponta do nariz. Venâncio era um gigante, mas tinha um coração de menino. Criado desde pequeno com sua mãe, era filho único, e só tinha contato com a natureza nas férias, quando ia para a fazenda de amigos de sua mãe. Naquele momento, o que estava em jogo era a vida daquele pequeno pássaro.
Ao chegarem ao petshop, onde também funcionava uma clínica veterinária:
* Cuidado, Zé, para não matar o bichinho! – disse Venâncio, segurando a porta do veículo.
Com o pássaro nas mãos, entraram apressados, nem sequer observaram se havia alguém na fila de atendimento, indo direto até o médico veterinário. Val, que era parente de José Francisco, logo começou a examinar o pobre bichinho. Após alguns minutos de observação, disse:
* Tem poucas chances de vida, mas deixem ele aqui comigo. Retornem às três da tarde.
Venâncio, antes de ir embora, voltou da frente da loja apenas para reforçar:
* Doutor, se ele perder uma perna ou até mesmo não puder mais voar, eu fico com ele. Pelo amor de Deus, salve este bichinho.
Afonsinho, em pleno voo noturno, atento aos instrumentos, não conseguia esquecer aquela manhã. Na sua vida, nunca tinha observado um olhar tão profundamente angustiado quanto o olhar do pequeno “Carcará 95”. Foi esse o apelido que deram ao pássaro, em virtude de ter sido colhido em pleno voo pelo Bandeirante cargueiro C-95, da FAB.
Pior ainda foi na parte da tarde, quando, cheio de esperança, Venâncio retornou ao médico veterinário, Dr. Val, e recebeu a triste notícia do falecimento do C95, que, devido a politraumatismos, não resistiu à operação e morreu na mesa de cirurgia.
Ao pousar no aeroporto, já cansados de um dia inteiro de treinamento, foram muitos pousos e decolagens, toques e arremetidas, um treinamento que vinha ocorrendo desde o início de março. Após o pouso, taxiando lentamente na pista e já se preparando para entrar no pátio de estacionamento, os pilotos sentiram a aeronave sendo freada como se estivesse laçada pela cauda por uma enorme corda. O comandante parou a aeronave e ficaram os dois a observar o que estava acontecendo. Como nada conseguiam ver, e a lua estava clara:
* Desce, vai lá fora, Afonsinho, ver se tem alguma coisa enrolada nas rodas.
Imediatamente, Afonsinho abriu a porta e, com sua lanterna, começou a inspecionar o trem de pouso.
* Aqui não tem nada, comandante, deve ter sido somente nossa imaginação.
* Que nada! Tá ficando doido, novinho, a força era muito grande, deve estar emperrado. Puta merda, de manutenção, que foi feita ontem.
Intrigado com aquela situação, Ranieri desce e, neste momento, levanta a vista e vê montado sobre a cauda da aeronave uma figura humana de enorme proporção, mais ou menos cinco metros de altura.
* Comandante, veja que enorme macaco preto, com grossa camada de longos pelos. Parece um alienígena. Meu Deus, é coisa do demônio. É assombração! – em rápida corrida, abandonam a aeronave e saem correndo pela pista.
Nesse momento, suas pernas ficaram pesadas e lentamente foram caminhando para trás. Uma força magnética os levava em direção ao gigante, que permanecia imóvel, sentado no chão, com as pernas cruzadas, como se fosse uma enorme estátua de Buda.
Aos gritos de pavor, os militares pareciam crianças. A figura tinha uma aparência monstruosa e parecia crescer a cada instante. Após alguns minutos de tentativas de fuga em vão, os militares se rendem e caem no chão sem forças. Nesse momento, a criatura vai diminuindo lentamente seu tamanho, que, naquele instante, já passava de dois metros e cinquenta centímetros, até ficar baixinha, com menos de um metro.
Nem por isso os militares diminuíram o pavor.
* Meu nome é Bury-açu. Sou uma divindade. Sei do futuro e do passado. Vivo nessas terras há milhões de anos. Posso controlar o tempo e o vento. Meu território é essa região geográfica, localizada entre os rios Parnaíba e Longá, se estendendo até a Serra da Ubatuba e, por outro lado, até o oceano Atlântico. É rica em fauna e flora bastante diversificadas, com cenários contrastantes de brancas dunas, morros, ilhas, igarapés, lagoas, caatingas, restingas, carnaubais e babaçuais.
A partir desse momento, os homens se sentam no chão, mantendo uma distância de alguns metros. Bury-açu fala de sua preocupação com a preservação da natureza, da matança de animais, da destruição das matas e da poluição das águas. Os militares, aos poucos, também começam a falar de suas experiências, dizendo que também se preocupam com a preservação da natureza.
O comandante, embora ainda meio trêmulo, fala sobre o ocorrido com o Carcará C95, argumentando que não teve a intenção de matar aquele pássaro. Muito pelo contrário, afirmou que quase comprometeu sua própria segurança para evitar a colisão, o que não foi possível, pois a aeronave estava em procedimento de decolagem, o que tornava a situação muito arriscada.
Bury-açu se aproxima e fala em tom calmo:
* Não tem problema! De hoje em diante, preciso da ajuda de vocês. Quero que levem minha mensagem, que falem das minhas inquietações com relação ao futuro do homem na Terra, da necessidade de preservar a natureza e tudo o que nela há. Ides embora agora!
Os militares retornam à sua aeronave e continuam taxiando tranquilamente para o pátio de estacionamento. Ao chegarem na estação, contam o que havia acontecido. Admirado, o operador da estação aponta para o relógio e diz:
* Mas comandante, sua última chamada comunicando o pouso foi exatamente há dois minutos. Como pode tudo isso ter acontecido em tão pequeno intervalo de tempo?