Portal Correio do Norte

Fazer a igreja e não botar o santo. * Pádua Marques.

 

Digo isso pra lembrar uma situação que tenho observado constante desde quando comecei a assistir as sessões ordinárias da Câmara Municipal. Vez por outra aparece um requerimento de associações de moradores, clubes, igrejas e outras entidades solicitando a construção e instalação de uma quadra esportiva.

O argumento é sempre o mesmo: um equipamento desses ajuda na fixação de sua juventude em atividade que retira possibilidades de migração para a vadiagem e o mundo das drogas. Essa ladainha de sempre.

Concordo em parte com a ideia em que se baseiam essas tão frequentes solicitações aos nossos vereadores, secretários e prefeitos, principalmente em bairros distantes e isolados, mas ao mesmo tempo me preocupo com o destino dessas quadras esportivas quando construídas e instaladas, principalmente naquelas regiões, repito, pra falar a expressão da moda, de grande vulnerabilidade social. Pra ser mais curto e no popular, onde está infestada de gente da pior igualha acostumada à desordem e a depredação, enfim, onde só tem mala!

Lembrando que tais pedidos tão frequentes na Câmara Municipal de Parnaíba não são e nunca foram privilégio desta ou daquela administração, do Zé Hamilton, do Florentino Alves Veras Neto ou do atual Mão Santa. A coisa vem de longe e já teve exemplos a perder de conta. Digo isso pra situar quem pense que é coisa recente.

Mas esse negócio de quadra esportiva em bairros pra tirar os jovens da rua, da esquina, da falta do que fazer e da ponta do cigarro de maconha e do cachimbo de crack se não houver uma assistência e vigilância do órgão correspondente, nada feito. É certamente como jogar sal dentro do mar.

Explico melhor com palavras pra não ter que desenhar. Uma prefeitura que constrói e instala uma quadra esportiva, seja ela simples ou coberta, uma praça, um coreto, um parque infantil ou outro equipamento numa localidade, num bairro, num povoado, numa uma aldeia, e até inaugura com toda aquela cerimônia de muito discurso, promessas e homenagens pra esse ou aquele morador, mas depois disso nunca mais põe os pés no local, está querendo o quê?

Prefeitura que dá ao povo determinado equipamento de esporte, educação e lazer tem que estar presente.

Já imaginou se construir uma ferrovia e não mandar pra sua manutenção um maquinista? Construir e instalar numa cidade um moderno hospital, desses de fazer inveja a muitas cidades do Piauí e do Maranhão, com todos os equipamentos, ambulâncias e pra atender todas as especialidades, mas não mandar o médico? Resolve alguma coisa?

Construir e instalar um aeroporto internacional, bem localizado, com pessoal altamente capacitado, falando do inglês ao nepalês, de frente pra trás e de trás pra frente, mas sem nenhuma expectativa de atender às demandas?

Qual a utilidade de se construir e instalar um estaleiro no meio de um deserto, onde não há a mínima condição de um navio ali construído dar com os costados no mar algum dia?

Agora me sai o papa Francisco lá de Roma com a ideia fixa de trocar o imponente prédio do Vaticano por uma igrejinha lá na praia da Pedra do Sal, mas nunca pisa nela e nem manda nem um padre e nem um santo? Qual seria a utilidade de se criar uma quadra de rugbi lá no Tabuleiro, mas não mandasse alguém pra dizer como é que se joga com aquela bola esquisita?

Então vou explicar bem devagarinho. Deveria ficar decidido assim: cumpriu com a promessa de construir quadra esportiva, seja simples ou coberta, mesmo até uma praça ou parque infantil, mas que fique na obrigação de promover eventos periódicos, assistir as associações de moradores, independente da cor partidária, criar meios pra que esta população, agora parceira da prefeitura, passe a colaborar na manutenção e segurança dessa quadra. É assim que deve ser.

Não acho difícil. O que não pode é prefeitura gastar recursos com uma intervenção urbana dessas, inaugura e entrega à população ordeira e decente, mas ao mesmo tempo aos predadores da sociedade organizada, os desordeiros, os vagabundos.

Sabe por que isso acontece? Ah, não sabe não? Porque prefeitura quando inaugura uma obra dessas e a entrega pra sua população automaticamente dá as costas pra aquela população. É como quem diz: está aí o pedido, agora é com vocês.

As prefeituras devem ter em conta gente preparada pra suas, e novamente vou usar outra expressão da moda, políticas públicas. Não deve ser assim de qualquer jeito. Nada desse negócio de “com casca e tudo”. Não é porque é povo, morador de periferia que não pode ter coisa que preste!

Mas as prefeituras devem usar o critério de consulta, sem açodamento, sem pressão, pra saber o que esses moradores necessitam.

Muitas vezes na discussão do orçamento participativo pedem praça. Mas as boas intenções vão certamente esbarrar lá na frente em muitas dificuldades. Porque muitas vezes, uma praça ou a tão pedida quadra esportiva acaba sendo é um pé de mais confusão.

* Pádua Marques é jornalista, romancista, cronista e contista. Da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba.  

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