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Fim de carreira pra o jumento.  * Pádua Marques.

Numa dessas minhas viagens para o Maranhão, aqui perto no Remanso, região de Araioses, que pra pertencer a Parnaíba custa pouco, presenciei a vida sofrida e miserável dos jumentos. Jumento é bicho que sofre. Sofre porque é jumento e jumento não tem quem cuide, defenda, dê a vida boa de cachorro morador de condomínio, esses cachorros que tem cama, acolchoada, vão regularmente ao veterinário, passeiam no calçadão com suas donas, tomam banho com sabonete, shampoo, assistem o Jornal Nacional, tem um dia inteiro de vacinas, enfim, todas as regalias que muitos seres humanos nem imaginam.

Jumento é bicho que sofre. E se for no Maranhão aí é que tá lascado! Antigamente quando ainda tinha serventia, carregava um milheiro de tijolos, de telha, uma muda de pobre com cinco meninos, dois potes, uma meia dúzia de redes de pano, um banco de pote, cacarecos como se diz por aqui. Isso ainda levando chicotada e sendo tratado pior que negro no tronco de frente a igreja de Nossa Senhora da Graça no tempo de Simplício Dias!

Depois de um dia de trabalho pra cima e pra baixo, era deixado com a corda solta onde podia alcança no chão uma moita de capim. Em casa lhe davam já no meio da noite uma água de poço pra beber. E assim era a vida desses animais de cara tão dócil, que não ofendem ninguém, não mudam de humor, são obedientes ao extremo. Aguentam desaforos, a raiva de seus donos, são chicoteados e humilhados na frente de todo mundo, aguentam sol e chuva, carregam Deus e o mundo muitas das vezes objetos com o triplo de seu peso.

Mas é assim mesmo.

O certo é que desde que caboclo soube andar e pode comprar uma moto, aqui na Parnauto do Onofre, o jumento ficou sem serventia. E em vão pensou que tinha valido a pena tantos anos de trabalho duro, que iria ter vida boa, ter proteção do governo, da prefeitura, dessa ONG ou daquela, teria alguém pra lhe dar um banho de vez em quando, levar pra passear na avenida São Sebastião, ver o Porto das Barcas, Pedra do Sal. Se ferrou, jumento! Aí é que seu calvário começou.

Ninguém, não tem um filho de uma égua que olhe pra ele, ter o cuidado de saber se já colocou uma coisinha de milho na boca, se já bebeu pelo menos uma caneco de água. Todo mundo passa por ele e enxota, xinga e diz que é bicho sem dono, feio e fedeorento. Isso quando não deixa amarrado dentro de um terreno cheio de carrapichos pra morrer à míngua, jumento sem dono.

Isso sem contar a ameaça de que os chineses estão caçando e comprando muitos jumentos pra matar e vender a carne nos açougues de Pequim como se fosse carne de gado, picanha da melhor qualidade. Tem muitos jumentos velhos que estão até preferindo esse fim a ter que viver perambulando sem uma aposentadoria do INSS ou aquele outro, o BPC.

Causa tristeza essa situação dos jumentos! Não tem quem defenda nenhum vereador lhe estende a mão. Não tem quem dê um apoio, que faça uma manifestação a favor dos direitos dos jumentos. Ninguém quer levar pra casa, dar um abrigo, uma noite sossegada num sítio do deputado fulano de tal. Mas se fosse um cachorro ou um gato, mesmo cheio de pulgas e carrapatos, tava todo mundo fazendo vaquinha. Mas é assim mesmo, os exaltados serão humilhados e os humilhados serão exaltados. Só que ao que parece esse negócio nunca vai chegar pra categoria

 

*Pádua Marques é jornalista, cronista e contista e romancista e ecologista.

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