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O MÁGICO DO LIVRAMENTO

Sou estudante de direito e apaixonado pela literatura. Li, prazerosamente, a obra de Machado de Assis. Alguns críticos o chamavam de bruxo e, confesso, nunca entendia a razão para tamanho escárnio. Não obstante, o bruxo do Cosme velho – como o denominou, mais adiante, o crítico Augusto Mayer – não só ultrapassou todos os limites do possível, como o fez de maneira que suas palavras, contidas em sua obra ímpar e densa, ganha ainda hoje, plateias eufóricas em todo o mundo, revelando todos os modelos de vida social
em sua época.

O interessante é que a vontade de estudar o direito é fruto da leitura de Machado: “Não é banco acadêmico que dá ao bacharel a vocação. Esta, antes, é que faz o jurista”. O Direito é tema central em Dom Casmurro. No magnífico romance, de final infeliz, Bentinho era advogado militante e bom advogado, diga-se de passagem. Mas isso não era comum na obra de Machado, em geral, ele ironiza o trabalho forense, pode-se dizer que Bentinho foi uma exceção.

No livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, cujo enredo narra uma decepção amorosa do personagem protagonista, Brás Cubas, que é enviado a Coimbra, onde se formou em Direito, após uma longa jornada desenfreada de boêmia.

Machado transitava muito bem entre os juristas, celebrando amizades fortes com José de Alencar, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e muitos outros. Cerca de 100 personagens machadianos têm estreita relação com o Direito: estudantes, bacharéis, advogados, juízes e escrivães. Em alguns momentos Machado narra, com riqueza de detalhes, a atuação jurídica de seus personagens, com destaque a Bentinho, que foi um “quase” estrategista jurídico.

Com propriedade, Machado também comenta a questão da responsabilidade civil das empresas responsáveis pelos bondes elétricos que tinham acabado de chegar no Rio de Janeiro e que causaram graves acidentes, em muitos casos causando mortes. Neste caso específico o escritor defendia o direito das famílias serem indenizadas pelas empresas.

Até mesmo o Direito Internacional foi tema da obra de Machado de Assis, suas crônicas estão repletas de opiniões políticas, incluindo o Brasil no centro das discussões mundiais, sem, é claro, deixar de tecer críticas contundentes acerca dos erros cometidos durante as sucessivas e conturbadas gestões administrativas.

Há fortes indícios de que Machado teria sido um abolicionista, muito embora alguns críticos entendam que ele deixou muito a desejar nesse aspecto, tendo uma participação não muito relevante.

Para não me tornar enfadonho vou ficando por aqui, ainda seriam inúmeras obras e personagens em que Machado faz, com elegância, referência ao Direito. Sei que parece bobo, mas gosto do estilo, da clareza, da forma simples de prender o leitor como o fez Machado, não é à toa que gosto também de autores lidos pelo nosso mágico como Eça de Queiroz e Dostoiévski. O primeiro, pela presença da ironia refinada; o segundo, pela ampla capacidade de análise da personalidade do ser humano.

Raimundo Sousa – Bacharel em Segurança Pública, Advogado

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