Portal Correio do Norte

O sanfoneiro Beja dos Canjicas. *Pádua Marques.

 

 

 

 

Era coisa de todo ano, no dia que na nossa escola se comemorava o São João, a gente já vendo mais um pouco as férias de julho lá mais na frente, ele ser recebido e reverenciado como um rei. Traziam pra ele a melhor cadeira, era servido refresco, um bolo, as gentilezas das professoras e da diretora. Dias antes alguém da secretaria passava na sua casa pra tratar sobre sua vinda pra tocar na nossa festa de quadrilha.

Beja. O nome de batismo devia ser Benjamin. Mas era nesse diminutivo pelo qual era conhecido aquele homem de estatura baixa, olhos claros e de pouca fala. Talvez fosse essa mania de todo sanfoneiro. Por ocupação ele era motorista do Senai, era tio da Bernadete, da Elizabeth, do Toinho Pitanga, da Ana Maria e de outros que não lembro agora. Mas Beja dos Canjicas, da família Procópio, na rua Tabajara, tocava sanfona como ninguém.

Naquele dia era especial quando ele estava ali sentado abrindo e fechando o fole de sua sanfona e o som alegre e conhecido invadindo o coração e o sorriso dos meninos e meninas, as salas de aulas, o pátio de recreio e a cozinha onde estavam dona Preta e dona Inês, as duas zeladoras e merendeiras, ficavam infestados de São João. Tudo era surpresa, festa e admiração quando Beja puxava uma música conhecida.

Aquele homem extraordinário, que era vizinho da nossa escola, ali no outro lado da rua, que nunca fui de prestar atenção se ele tinha filhos e se algum deles aprendeu a tocar igual ao pai com aquele silêncio interior, o sestro de fechar os olhos e deixar que os dedos achassem as teclas pretas.

E os meninos iam pra perto, olhando e se admirando dele. Da rapidez com que passava de uma música pra outra, silencioso, de pouco prestar atenção em quem estaria por perto. E quando acabava seu serviço ali mesmo, todos nós ficávamos um pouco tristes com a volta daquele silêncio de sala de aula, uma voz mais alta de professora aqui e outra ali. Ninguém queria mais nem voltar pra sala de aula no bom e hoje quase sexagenário Grupo Escolar Epaminondas Castelo Branco.

Um dia, já passados muitos anos e eu já adulto e tendo corrido e ganhado o mundo, fiquei sabendo que seu Beja dos Canjicas havia morrido. Aquilo dito por parentes e conhecidos, antigos colegas de grupo escolar, de vizinhos me deixou um vazio grande, do tamanho de uma música interpretada por Luiz Gonzaga na letra magnífica de Patativa de Assaré, a maior, mais triste e ao mesmo tempo mais solene sobre os nordestinos, Triste Partida.

(texto extraído do livro O Menino, de Pádua Marques)

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