Portal Correio do Norte

O sonho de algodão de seu Zeca. *Pádua Marques.

 

 

 

 

 

 

De cócoras, Mundico ficou olhando os companheiros se aproximarem caminhando em fila por cima do muro do cais, onde estava ele naquele fim de madrugada e começo de manhã no porto Salgado.

Conheceu de longe e pela conversa em voz alta de uns dois deles, cada um trazendo sua trouxa ou mala com os pertences. Vinham Bizé, seu Totonho, Nimba e José Maria. Agora com ele seriam cinco os homens que estariam viajando pra Floriano dentro de poucas horas.

Mundico enquanto esperava a chegada dos companheiros ficou olhando o outro lado da beira do rio em Ilha Grande de Santa Isabel. Pegou um pedaço de papel de embrulho e foi dobrando, dobrando, dobrando até que fez um barquinho, igual faziam os meninos. Depois chegou mais perto da beira do rio e lançou na água.

O barquinho ficou parado. Mundico mexeu na água pra fazer banzeiro e até que enfim aquela embarcação miúda pela força da maré foi descendo no rumo do Cantagalo.

Daí em pouco tempo ele não conseguiu mais ver o barquinho de papel. Também, quem iria se importar, se afundou, bateu nalguma pedra ou num galho de pau ou foi correndo pra Amarração? Logo chegaram os outros companheiros e cada um contando isso e mais aquilo, conversa mole, mas que por trás de toda aquela euforia de homens rudes, estava um manto de tristeza.

Iam deixar as famílias, mulher e filhos pra uma aventura em terra desconhecida. Mas não custava nada arriscar, pois a vida, a fortuna ou a desgraça nasciam de riscos.

Assim como estava arriscando seu Zeca Correia naquela fábrica de beneficiamento de algodão em Amarante, junto com outra de fábrica de gelo e um moinho de pilar arroz. O dono do Moraes havia, e isso era coisa que se contava nas ruas e no cais da Parnaíba, comprado uma propriedade em Angical pra plantar algodão seridó.

E nas Pitombeiras estava se abrindo uma frente de serviços. Era serviço pra muito tempo e sendo muito serviço precisava de homens assim como eles. E tinha gente de tudo quanto era canto do Piauí, do Ceará, do Pernambuco, Rio Grande do Norte e até da Bahia!

E se tinha tanta gente de fora, no dizer deles, também haveria de ter serviço pra eles, de Parnaíba! Nimba, um negro novo, casado de pouco, Bizé, um homem franzino e de voz mansa, mascador de fumo, casado com dona Nazaré e pai de oito meninos.

Tinha experiência com o negócio de pilar arroz. Totonho, de uns trinta e poucos anos, nem negro e nem branco, sem ser casado ou amancebado, vivia com a mãe nos Campos. José Maria, de mais pra quarenta anos, baixo, falador, cara miúda, casado e pai de dois filhos, um menino de onze anos e uma menina de dez.

Os cinco homens agora juntos ali no porto Salgado iniciaram uma conversa sobre serviços, cargas, valores, os ingleses, a Tutoia, lugares onde tinham as raparigas mais afamadas daquela beira de rio, as dificuldades de se entrar no porto Salgado, os fretes, comissões, a escassez de serviços de vez em quando.

Cada um queria contar a sua história e mais conhecimentos. Falavam da União Fluvial, empresa de seu Marc Jacob, seu Delbão Rodrigues, Zeca Correia, seu Ponción Rodrigues e outros homens endinheirados da Parnaíba naquele ano de 1933. Pelo que Mundico sabia, ao contrário de outras empresas, esta nunca havia tido problema de naufrágio, incêndio ou coisa parecida. Nela ia gente e ia carga.

E Totonho veio lembrar que se tudo desse certo com o negócio de beneficiamento de algodão vingando, quem sabe até em pouco tempo a Parnaíba tivesse uma fábrica de tecidos. De chita mesmo, pra vender pra tudo quanto era praça, desde a Bahia até no Pará! Veio de lá do seu canto o Bizé. Deu uma cuspida dentro da água e se pôs a dizer que, pelo que ouviu falar, o ganho lá nas Pitombeiras em Amarante era bom, mas se gastava muito.

Enquanto esperavam o movimento crescer e as empresas do cais abrirem suas portas naquele início de manhã, cada um ia contando suas vantagens. José Maria largou a lembrar de outros tempos. E passou a contar os barcos de cargas e de pessoas ali mesmo no porto Salgado.

Ia e vinha. Dava nomes, conhecia todos eles como se fossem gente, gente da família. Sabia de tudo, o calado, o nome da tripulação, a potência, comprimento. Mas de tudo aquilo ainda não dava pra saber o que iria dar no futuro dele e dos colegas. Foto ilustrativa da Web.

*Pádua Marques, cronista, contista e romancista. Da Academia Parnaibana de Letras e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba, entre outras entidades culturais do Piauí.

 

 

 

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