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OPA: a ideologização do orçamento participativo pelo governo estadual do PT no Piauí.

 

 

 

 

 

 

A ideologia é o conjunto de coerências relativas de representações, valores e crenças vinculadas à produção de ideias e da consciência que dizem respeito à relação real do homem com a natureza, com a sociedade, com outros homens, com a economia e a política. É o resultado das relações imaginárias que os indivíduos têm com sua realidade, expresso nos rituais práticos, nas suas crenças e evidências no interior dos aparelhos ideológicos do Estado, e tem por finalidade a sua submissão ideológica, isto é, “levar todos na conversa”, em vez de usar a violência física para garantir a obediência.

A partir dessa concepção marxista de ideologia e da ideia que o Estado se constitui em um aparelho repressor e ideológico, com o objetivo de organizar a classe dominante e desorganizar a classe dominada para a manutenção da dominação de classe na sociedade capitalista, o lançamento do Orçamento Participativo (OPA) na Universidade Estadual do Piauí (UESPI) no campus de Parnaíba, no litoral piauiense, nada mais foi do que um ritual prático de submissão ideológica dos indivíduos e das várias representações de movimentos sociais presentes no auditório da UESPI, na última quinta-feira (25/05) às 11 horas da manhã.

Vamos aos fatos. O orçamento é um instrumento de disputa política; isto é, de confronto entre as classes pelos recursos que serão arrecadados e alocados pelos governos. Expressa, na prática, o plano de governo a ser executado a partir da influência de um bloco político no poder. Na sociedade capitalista, esse bloco de poder se constitui de frações da burguesia que disputam sua hegemonia e a primazia em influir nas decisões governamentais em favor dos seus interesses de classe. Essa dinâmica provoca tensões e conflitos com a classe trabalhadora na arena orçamentária, pois no embate pelos recursos têm prevalecido, majoritariamente, os lobbies e os interesses da burguesia nacional e internacional.

A forma encontrada pelos governos de frente popular para escamotear a falta de equidade na disputa política pelos recursos orçamentários foi supostamente ampliar a participação popular na elaboração e execução orçamentária, bem como introduzir o controle social na execução orçamentária, principalmente, através da criação de conselhos sociais em diversas áreas governamentais. Essa prática “inovadora” do orçamento participativo, na verdade é completamente desfigurada de propósitos inclusivos e democráticos.

Tanto os governos de frente popular, como os governos burgueses usam o orçamento participativo como uma alternativa populista para referendar suas propostas de ações públicas, pré-estabelecidas em negociação com as frações da burguesia, esvaziando os espaços coletivos de discussão e elaboração do orçamento participativo e reduzindo drasticamente o volume de recursos orçamentários executados a partir de demanda direta da população.

Assim, o orçamento participativo tem sido usado ideologicamente pelos governos, de frente popular ou burguês, para convencer os indivíduos, organizações da sociedade civil e os movimentos sociais de que as decisões orçamentárias tomadas e as ações estão sendo orientadas por todas as classes; sendo assim, seriam decisões justas e que melhor atendem os interesses de todos.

Tal ideologia falseia a realidade prática, pois as decisões governamentais de arrecadar e de executar recursos orçamentários são tomadas, majoritariamente, sob a influência primeira dos interesses da classe dominante, para escamotear sua imbricação em relação aos interesses do Estado e legitimar um governo que, apenas aparentemente, está a serviço dos interesses de todas as classes, mas que na essência, é um governo que prioriza os interesses da classe dominante.

Nesse sentido, o lançamento do OPA pela gestão estadual, propalado com todas as pompas de uma ação transformadora da realidade piauiense, com a presença de governador e vice-governador, secretários de governo, deputados federais e estaduais, vereadores, lideranças políticas da região, discentes, docentes, representantes das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais parnaibanos, na prática, foi reduzido a uma proposta desalentadora de inclusão e de participação popular no orçamento estadual do Piauí para 2024.

O governo estadual anunciou um montante de R$ 50 milhões para o OPA, dos quais R$ 40 milhões destinam-se para Teresina e R$ 10 milhões para o município de Parnaíba. Um valor milionário, no imaginário daquelas camadas sociais completamente despossuídas de direitos, de renda e de participação na sociedade piauiense; entretanto, ínfimo para um orçamento que se propõe ser inclusivo e participativo, pois o valor destinado ao OPA equivale a 0,28% do orçamento estadual executado pelo governo de frente popular do PT em 2022.

Como podemos disseminar a ideia de um orçamento realmente participativo, se menos de 0,3% dos recursos orçamentários arrecadados poderão ser destinados e mesmo que haja alocação, não existe a garantia do atendimento das demandas diretas das organizações e movimentos sociais previamente cadastrados pelo governo do Estado? No Brasil, o orçamento não é impositivo, mas meramente autorizativo, e deste modo, mesmo com diminuta participação da sociedade civil organizada, a execução do orçamento participativo é discricionária do governo, podendo este decidir em última instância por atender ou não aos interesses das classes populares.

Por isso, o OPA está sendo utilizado ideologicamente pelo governo do PT para falsear a realidade de participação da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais na elaboração do orçamento público, com o objetivo de chancelar seu programa de governo contrarreformista, de entrega dos bens e equipamentos públicos para a iniciativa privada e de reduzir os conflitos de classe no interior da sociedade piauiense pelo convencimento e não pelo uso da força. E o instrumento fundamental para isso é a ideologia.

Osmar G. Alencar Jr.
Professor da UFDPAR
Economista e Doutor em Política Públicas

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