Por Sólima Genuina dos Santos*
Maravilhoso define uma beleza no extremo de seu significado. É uma palavra que encanta e que estabelece uma ponte até o interior de nosso ser, enlevando o espírito ao sublime. É um contato entre o divino e o humano. Não é exagero quando se lê Fanais dos Verdes Luzeiros (Editora Penalux, 2019), livro do Diego Mendes Sousa. Traz em seu interior poemas que são cintilações em um lirismo nato do poeta.
Já a capa mostra o bom gosto do autor, pois traz a pintura de Henri de Toulouse-Lautrec retratando Vincent van Gogh entregue ao absinto em um bar parisiense. Trata-se de dois artistas no final do século XIX e começo do XX, que trabalhavam cores fortes e brilhantes, tidos como pós-impressionistas. Tomei o livro e iniciei a leitura meio cautelosa no afã de entender seus versos. Sabem como me senti? Parecia que estava chegando a uma grande e bela cidade misteriosa, por mim desconhecida.
O livro está dividido primeiramente em três Reflexões, seguindo Estilhaços do Tempo, quando são apresentados poemas em uma série de Fanais, um leque de assuntos em versos livres. A terceira parte trata das Âncoras da Memória, onde foge do rigor dos versos e apela para a prosa sem deixar de lado belas metáforas, embora não resistindo o hábito, termine o escrito com significativos poemas.
A primeira Reflexão mostra em dois versos, um firme acreditar na literatura, mas não se esquece de “calçar os pés”, comparação que fala muito da consciência poética. Na segunda Reflexão ele define a poesia como “um enigma que não se escreve”. Em se afirmando, explica: “Sou apenas um poeta sem ritmo de escrita”. Na Reflexão três mostra como veio seu “raciocínio poético”. Diego descreve sua arte crescendo ao lado de mestres internacionais e nacionais, entre outros o austríaco Rilke, a amazonense Astrid Cabral e, seguindo pelo Brasil afora rumo ao Rio Grande do Sul encontrou José Santiago Naud. São vinte e quatro poetas de quem herdou “a dissonância sem arbítrio que há entre o humano e a proposta encantatória do eterno”.
Fanais dos Verdes Luzeiros representa o farol que o autor usa para expressar novas inspirações poéticas, a arte em palavras luzentes. Seu nascimento é descrito no imaginário: “Era meado de julho / quando mamãe / sagrou o seu ventre / na dor dos girassóis: o meu choro comovido / de circular na luz”. Em versos Fanal das Estações, esclarece: “A poesia quer-me lúcido para morrer bem / em seu delírio de sombra e claridade”. Então fico a imaginar de onde lhe vem todo esse cantar, mas, na mesma poesia, completa: “Talvez na infância? / Talvez no umbigo da estadia materna? / De pronto, na calada dos abismos infernais”.
Que coisa mais dura de pensar! Seguindo, o poeta busca inspiração no que lhe vem de tempo histórico, com Fanal do Juliano Hodierno desde Roma, em um duro questionamento: “O que me faz bruto? Quem me apedreja o ser? ”. No final quase imita Júlio Cesar: “Até tu, Deus? ”.
A capa do livro moldou o autor nas cores fortes retratadas no Vincent van Gogh irrevelado: “A noite desabou em fúria. / A oeste, o crepúsculo em diversos tons / sangrava sua vertigem de fim: / um azul, um leve branco, uma cor obscura, / um amarelo escondido, um alaranjado alarmante / que traduzia a vida em tristeza enraivecida”. No final completa: “- Vincent van Gogh estrelado (brilhante!) / a pincelar almas, fogo, / o insanável mesmo no navalhado corpo / das cousas não reveladas.”. Tratando de nosso astro rei, Diego define: “O sol é um olho alérgico / sobre a orfandade que rasoura / o meu mistério de condor / enfurecido de sonho”. No Fanal do Nascimento do Tempo, afirma: “A tortura é a minha passagem de navegante eterno. / Posso naufragar em amor e fazer cintilar as estrelas do céu”. Poxa, quanto poder tem a poesia! Forte é o sentimento aqui descrito, fortaleza é a certeza do poeta em conviver com a natureza que se lhe apresenta.
Em Fanal do Torrão Reencontrado a poesia resvala em uma busca: “No tempo em que a morte / começar a se avizinhar da vida / e a manhã for outra solidão amarga. “Irei reencontrar a Pasárgada da minha infância, / irei reviver Innisfree, / e o vidro calado dos olhos será / a Parnaíba reencontrada, / a Ilha Grande, o mar da Pedra do Sal, / o Porto dos Tatus, o Carnaubal em silêncio…”. Diego quando jovem deve ter lido Manuel Bandeira e W. B. Yeats, criadores de lugares imaginários que o fizeram criar também sua Altaíba.
Em Fanal do Ímpeto Profético, Diego determina: “Quero que a poesia seja o tempo / que não passa de um mistério revelado. (…) / Quero que o poema / reserve o rosto de ontem / e que a beleza persista / em permanecer / no passado. (…) / Quero o minuto dos deuses, / a música da musa impávida / e o olhar do poeta encantado”. Acredito que é a busca da felicidade, porque todo o poema resvala para esse desejo escondido, incógnito.
Mas o livro prossegue com uma terceira parte, Âncoras da Memória, onde a poesia ressurge ao longo das páginas, com rica subjetividade, belas metáforas e com um pensamento que se quer lógico. Deixo este assunto para outra oportunidade e aponto com a certeza de que irá encantar os leitores que se deixarem envolver nos mistérios ocultos por serem descobertos poeticamente.
*Sólima Genuina dos Santos é jornalista e membro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
Originalmente, resenha publicada no Jornal O Bembém, fevereiro de 2020, n.146.