QUASE UMA DESPEDIDA …
Embora tenha fracassado em quase tudo que tentei na vida, minhas asas estão prontas para o vôo final triunfal. Eu seria extremamente infeliz se permanecesse por mais um longo tempo vivo. Diante da turba reunida e movido pelo vento que sopra do passado, paulatinamente desfaço os fios que me ligam ao presente e os ornamentos do olvido, para provocar o desdobramento imperturbável da hora derradeira, com um tímido sorriso que perpassa como um fogo que se alastra… Tenho a consciência de saber da lisura de minhas atitudes, da eticidade da minha intenção e do que armazena o meu coração.
Consabido que a ideia de eternidade sempre teve na pérola sempre inacabada da morte, o seu estuário – dexar chegar, deixar partir, estar é diferente de ser. Então, nas vozes que escuto, identifico ecos de outras vozes que já emudeceram ressoando como um murmúrio na chuva e me dizendo que o passado não pode ser rejeitado impunemente. Por isto, o sinto perpassando veloz e a relampejar no momento do meu último suspiro. Me vejo então na escuridão e sinto frio. Nessa visão, a memória involuntária me induz a separar o essencial do temporal – o espírito e a vida – numa linguagem indecifrável à corveia anônima e aos que se encontram a corvejar ociosos nos cargos públicos e nas praças.
Ainda não liberto dessa dimensão carnal, luto contra o poder do tempo e o amontoado de ruínas existenciais, sem o adestramento necessário para transitar nos círculos hipócritas de uma sociedade de lisonja servil, vítima da insólita doença da vulgaridade, uma incomum pobreza de espírito e uma disposição anormal para o prazer, a permissividade e a prevaricação – que erroneamente apelidam de “amor” – onde os pecados mais torpes e execráveis são disfarçados com ares angelicais.
Absorvendo ensinamentos místicos, indago: há alguém para ouvir o meu apelo e cuidar de mim?
Sei que quase nada nesta vida é modelar, e sim exemplar. Sob este ângulo, o dualismo da interioridade e da exterioridade, formatado na individualidade da vida de cada um, muitas vezes impõe regras de claustro que empurram à meditação. No que me diz respeito, não acredito que prazer, amor verdadeiro e exemplos éticos e morais, sejam obtidos sem aborrecimentos – e eu não tenho mais idade para mendigar atenção e carinho, seja de quem seja. Sei também que os critérios de casta e de elite que insinuam a perfectibilidade de uma pequena parcela da humanidade, fazem espezinhar os corpos dos que estão fora dessa classificação, numa vida vegetativa inexprimível. Senhor, ouve meu apelo e cuida de mim.
Meu espírito não quer mais ficar – existo na Eternidade e as minhas coisas são as coisas do Além. Num relampejar fugaz, vejo brilhar a minha verdadeira aurora. Meu espírito roga a libertação das vestes carnais – Deus, quero partir ouvindo o som de pássaros e os suspiros do mar.
Paulo de Tarso Mendes de Souza(advogado, poeta e romancista membro da Academia Parnaibana de Letras)
11.02.2024