Resumo da notícia
- Comparamo-nos uns aos outros a fim de evoluirmos e termos referências do que é bom ou ruim
- Entretanto, quando a comparação causa sofrimento, é bom ficar atento
- Geralmente o problema está relacionado à baixa autoestima ou a idealização da vida alheia
- Um processo psicoterápico pode surtir bons resultados para os casos mais extremos
A comparação é inata ao ser humano. Ao observar os outros, aprendemos (ou não) com diferentes modelos de comportamento. O sinal vermelho, no entanto, acende quando alguém passa do ponto no hábito de se comparar com os outros —em geral, um processo que segue mecanismos inconscientes cujas razões são desconhecidas para a própria pessoa.
Estar em permanente estado de comparação com o outro é um comportamento extremamente tóxico que leva a crenças limitantes e a criação de padrões inatingíveis, de acordo com a psicanalista Gisele Gomes, professora de Teoria Psicanalítica Freudiana na RNA Clínica e Escola de Psicanálise, em São Paulo (SP).
“Quando alguém se compara com o outro e se identifica como superior ou inferior, em relação às suas características físicas, financeiras ou intelectuais, está impedindo que suas verdadeiras potencialidades se sobressaiam e permitam a realização de seus próprios desejos”, diz ela. Comparar-se intensamente é como manter uma imagem distorcida o tempo todo no espelho da vida. “Frustração e infelicidade passam a ser as principais companheiras da pessoa, sentimentos que são portas abertas para ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos”, alerta.
Quando é natural e quando faz mal
Comparar-se não é de todo ruim. As crianças, ao observarem os pais, buscam aprender o certo e o errado, por exemplo. Vivemos em sociedade e é comum que nas relações em diferentes campos, como o financeiro e o social, busquemos referências para fazer as nossas escolhas. “Nos comparamos uns aos outros a fim de evoluirmos e termos referências do que é bom ou ruim”, diz Ricardo Sato, psicólogo clínico e hospitalar e coordenador do Serviço de Psicologia Hospitalar da Rede D’Or São Luiz unidade Morumbi, em São Paulo (SP).
No caso de uma comparação do salário com outros colegas de profissão, por exemplo, para saber se a remuneração obtida está ou não de acordo com profissionais com o mesmo ramo, pode ser bom. “É uma comparação consciente que pode ser útil para refletir sobre a necessidade de uma recolocação ou para traçar estratégias para melhorar o ganho salarial. Comparar, nesse caso, é uma atitude a favor de um desenvolvimento, de uma mudança positiva”, explica Marcelo Lábaki Agostinho, psicólogo clínico do IP-USP (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo).
O problema é quando a comparação traz sofrimento, como explicado por Gomes. Nesses casos, apesar de quem se compara poder se sentir superior ou inferior ao outro, geralmente a segunda opção é o que predomina. “O mais comum em quem adota esse padrão é se colocar em desvantagem em relação ao outro”, diz Marina Vasconcellos, psicóloga e terapeuta familiar e de casal pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “É um indício típico de baixa autoestima. A pessoa não acredita em si mesma, é insegura e exerce a comparação como uma forma de autoafirmação. Quem confia em si não faz isso”.
Insegurança e ideais utópicos
A autoestima é a noção de valor, positiva ou negativa, que o indivíduo tem de si, e envolve as percepções e crenças adquiridas ao longo da vida. Sua origem é na infância, nas relações estabelecidas com os pais, nas valorizações que eles deram aos seus comportamentos e conquistas e que fizeram com que a criança se sentisse amada.
“Uma criança que sempre foi criticada ou pouco reconhecida por algo de bom que tenha feito se torna insegura e, por desacreditar em suas ações, passa sempre a se comparar com o outro como forma de se certificar sobre seu comportamento, avaliando se suas condutas estão corretas”, diz Joselene L. Alvim, psicóloga especialista em neuropsicologia pelo setor de neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e coordenadora do curso de especialização em neuropsicologia da Unoeste (Universidade do Oeste Paulista).
É válido reforçar que, ao observar a vida de alguém e se sentir diminuído —e isso acontece muito nas redes sociais —, a pessoa que experimenta o mal-estar pode dirigir um olhar repleto de idealização e, portanto, um parâmetro impossível de ser alcançado. “Redes como o Instagram mostram ideias muito difíceis de cumprir, porque são irreais. Nem tudo o que a gente vê é o que é realmente na vida longe da internet”, pontua Lívia Beraldo de Lima Basseres, psiquiatra e mestre em psiquiatria pelo IPq (Instituto de Psiquiatria) do HCFMUSP e membro do corpo clínico do Hospital Santa Paula, em São Paulo (SP).
No ponto de vista de Agostinho, é importante questionar se o ideal projetado nos outros não é um ideal do próprio inseguro, ou seja, algo que ele quer alcançar, mas que não admite que é dele, sendo mais fácil olhar o ideal no outro em vez de si mesmo. “Passar a viver sempre a vida do outro, ou seja, sempre se comparando, é empobrecedor, pois a pessoa não consegue olhar para dentro de si mesma”, diz.
Segundo ele, talvez com o tempo, a pessoa possa começar a se sentir esvaziada, como se não tivesse nada próprio dela, como se não vivesse a própria vida. A psicóloga Alvim ainda diz que é preciso saber lidar com as mazelas da vida também: “A vida não é o reino da fantasia e as pessoas não são felizes o tempo inteiro. Ter períodos de tristeza e insegurança é algo comum a todo ser humano. Só que a pessoa com baixa autoestima, que se compara o tempo todo, pode até saber disso, porém considera que só ela, ou a vida dela, tem algo de errado. Com isso, desencadeia ansiedade e até depressão, dificultando a elaboração de suas angústias, tornando o ciclo vicioso”.
Como romper o padrão?
Um processo psicoterápico pode surtir bons resultados para os casos mais extremos, principalmente envolvendo a baixa autoestima e a falta de confiança em si. Contudo, se você se identificou com o problema, pode, desde já, colocar em prática algumas dicas para combater a mania nociva de se comparar aos outros. Siga essas sugestões:
- Evite as redes sociais ou diminua seu tempo gasto nelas. Lembre-se que ninguém posta foto de momentos ruins, brigas ou de boletos atrasados. “Substitua o tempo que você usa navegando nas redes sociais por atividades que lhe tragam prazer, como ler, caminhar, fazer exercícios ou estudar”, indica Sato;
- Pergunte-se: desde quando você começou a se comparar com os outros? Será que é um comportamento antigo que acontece desde a infância? Será que os pais e professores o comparavam com os irmãos ou outras crianças? Entender que essas situações fazem parte do passado podem ajudar a ressignificar o presente;
- “Tentar um movimento introspectivo para buscar as próprias referências pode ser muito interessante”, conta Agostinho. Que tal pensar em quem se é, no que acredita e por que precisa tanto olhar para os outros, buscando somente as referências externas? “Perguntar-se por que as próprias referências não são valorizadas pode trazer compreensões novas sobre si mesmo”, assegura o psicólogo;
- Se os outros, na comparação, são melhores, por que não avaliar como fazer para conseguir o que imagina que os outros conseguiram? É importante levar os dados da realidade em conta, ou seja, como alguém obteve o que conquistou. Será que as conquistas vieram do nada ou a pessoa lutou muito para alcançar o que conseguiu?
- “Quando falhar, não desista. Não é a comparação com alguém ‘pseudovitorioso’, algo que geralmente vai reforçar o seu erro, que vai ajudá-lo a superar as dificuldades da vida e seguir em frente”, aconselha a psicanalista Gisele Gomes;
- Conscientize-se de que não existem padrões. Cada ser humano é único e são as diferenças entre as pessoas que enriquecem as relações, pois possibilitam as trocas e o crescimento. “Reconhecer e aceitar os próprios limites leva a escolhas mais adequadas para si”, diz Alvim;
- Trace seus próprios objetivos e metas de vida, buscando o que é genuíno para você e sem se comparar com os outros. Pensar em um plano de ação real para alcançá-los pode ser uma boa estratégia;
- O autoconhecimento é fundamental para identificar limites e potencialidades. Procure reconhecer o que há de bom em você e busque superar o que precisa melhorar.
Fonte: uol